sexta-feira, 7 de outubro de 2011

CARTA SETEMBRO 2011

“Contigo está a sabedoria, que conhece tuas obras, a teu lado estava quando fizestes o mundo; ela sabe o que te agrada, o que corresponde a teus mandamentos.
Envia-a do céu sagrado, manda-a do teu trono glorioso, para que esteja a meu lado e trabalhe comigo, ensinando-me o que te agrada.
Ela, que tudo sabe e compreende, me guiará prudentemente em meus empreendimentos,e me guardará com seu prestígio”... (Sb 9,9-11)


Muito amados irmãos e irmãs, discípulos e discípulas, ouvintes todos e missionários da “Palavra divina que se fez Palavra humana”:

Entre as numerosas citações de referência ao MÊS DA BÍBLIA (na Igreja do Brasil, é o mês de setembro), mês da Palavra e da Sabedoria de Deus, porque não lembrar esta - ainda que mais ou menos longa - do Livro da Sabedoria, do Primeiro Testamento que prefigura, já, o Novo? Trata-se de uma belíssima perícope do AT sobre a “sabedoria” que nada mais é do que a simbolização do Verbo do Pai, Jesus Cristo encarnado no humano, e da ação do Espírito Santo. Proponho, pois, que nestes breves parágrafos façamos uma reflexão sobre a Cristologia da Palavra do Pai[1]. O tema está desenvolvido no contexto da Primeira Parte da Verbum Domini (VD), “O Deus que fala” no sexto parágrafo, “Cristologia da Palavra” (11 a 13) cuja leitura recomendo vivamente para que todos possam situar-se sem necessidade de tornar a repetir citações.

1. A Palavra do Pai na Encarnação do Verbo. Durante alguns séculos “Deus falou com seu povo escolhido através dos profetas e a ele revelou-se como único Deus verdadeiro e vivo, com palavras e obras”. Sempre se manifestou um Deus disposto ao diálogo e ao perdão, embora parecesse um Deus distante, mais juiz do que pai. Agora, porém, na pessoa de Jesus que se encarna, envia a sua própria Palavra. Assim se expressa o Papa: “Aqui a Palavra não se exprime primariamente num discurso, em conceitos ou regras; mas vemo-nos colocados diante da própria pessoa de Jesus. A sua história, única e singular, é a palavra definitiva que Deus diz à humanidade”. E, depois destas palavras tão próprias do diálogo do Pai com a humanidade, aparecem outras profundamente significativas para nossa reflexão de cristãos, quem sabe rotineiros ou tradicionais, isto é, cristãos por costume e não por convicção: “Daqui se compreende por que motivo, «no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo». A renovação deste encontro e desta consciência gera no coração dos fiéis a maravilha pela iniciativa divina, que o homem, com as suas próprias capacidades racionais e imaginação, jamais teria podido conceber”. E a chave de ouro que fecha este parágrafo deveria ser objeto de nossa mais profunda admiração: “A fé apostólica testemunha que a Palavra eterna Se fez Um de nos. A Palavra divina exprime-se verdadeiramente em palavras humanas”. Ao mesmo tempo deveria repercutir em cada um de nós uma pergunta insistente: com que atenção você costuma escutar esta Palavra para que ela repercuta no seu coração e na sua prática de vida?

2. A história humana do Verbo e a realização dos mistérios da salvação. Logo no início deste parágrafo, chama nossa atenção uma expressão carregada de significado, que foge das maneiras habituais de falar de Jesus-Palavra: “O Verbo abreviou-se”. Citando a tradição dos antigos Padres da Igreja e lembrando algumas outras passagens da Escritura (por exemplo, “O Senhor compendiou sua Palavra, abreviou-a”, Is 10,23; Rm 9,28),) a VD põem-nos diante de uma realidade que eu chamaria de comovedora: “O próprio Filho é a Palavra, é o Logos: a Palavra eterna fez-Se pequena; tão pequena que cabe numa manjedoura. Fez--Se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós». Desde então a Palavra já não é apenas audível, não possui somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo podemos ver: Jesus de Nazaré”. E porque “comovedora”? Muito simples sua compreensão: porque, não há necessidade de ficar imaginando como seria a face de Jesus (interpretada, tantas vezes, com traços tão estranhos, como as ideias de quem a retratou!), pois é bastante ouvirmos e interiorizarmos a Palavra para saber como é Jesus. Hoje! Agora! Em mim! No meu próximo!

Em seguida a VD chega às outras maneiras que o Pai usa para manifestar o Seu Logos, a Sua Palavra e chega ao Mistério Pascal, escrito, assim, com maiúsculas, referindo-se ao mistério da cruz, ao silenciamento da Palavra: “Por fim, a missão de Jesus cumpre-se no Mistério Pascal: aqui vemo-nos colocados diante da «Palavra da cruz» (cf. 1 Cor 1, 18). O Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque Se «disse» até calar, nada retendo do que nos devia comunicar. Sugestivamente os Padres da Igreja, ao contemplarem este mistério, colocam nos lábios da Mãe de Deus esta expressão: «Está sem palavra a Palavra do Pai, que fez toda a criatura que fala; sem vida estão os olhos apagados d’Aquele a cuja palavra e aceno se move tudo o que tem vida». Aqui verdadeiramente se nos comunica o amor «maior», aquele que dá a vida pelos próprios amigos (cf. Jo 15, 13)[2]. Fechando esse parágrafo, a VD sintetiza a Palavra na figura da “Luz do mundo”: “Desde o início, os cristãos tiveram consciência de que, em Cristo, a Palavra de Deus está presente como Pessoa. A Palavra de Deus é a luz verdadeira, de que o homem tem necessidade. Sim, na ressurreição, o Filho de Deus surgiu como Luz do mundo. Agora, vivendo com Ele e para Ele, podemos viver na luz”.

Pergunte-se agora, meu irmão, minha irmã: de verdade, a Palavra-Jesus-Luz tem iluminado o caminho de sua vida? Ou você se deixa invadir por outros focos que, de repente, vão-se apagando?

3. O “coração da ‘Cristologia da Palavra’”. O Mistério Pascal, conforme a VD, realiza a unidade do projeto de Deus com o Verbo encarnado. Por isso, o mesmo Mistério Pascal é posto como o “coração da Cristologia da Palavra”: “No Mistério Pascal, realizam-se «as palavras da Escritura, isto é, esta morte realizada “segundo as Escrituras” é um acontecimento que contém em si mesmo um logos, uma lógica: a morte de Cristo testemunha que a Palavra de Deus Se fez totalmente “carne”, “história” humana»....Deste modo São Paulo, transmitindo fielmente o ensinamento dos Apóstolos (cf. 1 Cor 15, 3), sublinha que a vitória de Cristo sobre a morte se verifica através da força criadora da Palavra de Deus. Esta força divina proporciona esperança e alegria: tal é, em definitivo, o conteúdo libertador da revelação pascal. Na Páscoa, Deus revela-Se a Si mesmo juntamente com a força do Amor trinitário que aniquila as forças destruidoras do mal e da morte”.

Por fim, para que meus leitores possam degustar todo o sabor delicioso tema, não resisto a não transcrever suas últimas frases: “Assim, recordando estes elementos essenciais da nossa fé, podemos contemplar a unidade profunda entre criação e nova criação e de toda a história da salvação em Cristo. Recorrendo a uma imagem, podemos comparar o universo com uma partitura, um «livro» – diria Galileu Galilei – considerando-o como «a obra de um Autor que Se exprime através da “sinfonia” da criação. Dentro desta sinfonia, a determinado ponto aparece aquilo que, em linguagem musical, se chama um “solo”, um tema confiado a um só instrumento ou a uma só voz; e é tão importante que dele depende o significado da obra inteira. Este “solo” é Jesus (…). O Filho do Homem compendia em Si mesmo a terra e o céu, a criação e o Criador, a carne e o Espírito. É o centro do universo e da história, porque n’Ele se unem sem se confundir o Autor e a sua obra».

A todos meu abraço fraterno, desejando-lhes um iluminado Mês da Bíblia- Palavra de Deus com Maria “Mater Verbi et Mater laetitae” = Mãe da Palavra e Mãe da alegria!

Pe. José Gilberto Beraldo
Equipe Sacerdotal do GEN
E-mail: beraldomilenio@uol.com.br

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